I. Materiais de Construção: Área de
exploração do projecto
Neste projecto pretendo trabalhar o meu património familiar material e o património imaterial que este reflecte concentrando-me mais especificamente nos materiais de construção da minha casa de família.
Neste projecto pretendo trabalhar o meu património familiar material e o património imaterial que este reflecte concentrando-me mais especificamente nos materiais de construção da minha casa de família.
Toda a
remodelação e decoração desta casa, incluíndo a fabricação de alguns móveis e
peças têxteis, foram feitas pelos meus pais e espelham os seus talentos, gostos
e valores pessoais para além de toda uma época, dos anos 70 aos 80.
Explorando
o que permaneceu, fisicamente ou através de documentação e imagens da minha
própria memória, abordando este “espólio” como peças da coleção de um museu com
o qual tivesse sido convidada a trabalhar, pretendo criar objectos artísticos
multidisciplinares que reflictam a influência que esses materiais de construção
da minha casa tiveram na construção da minha identidade.
Neste contexto o que eu entendo por materiais de construção são não só os reais materiais de construção, revestimento e decoração de uma casa mas também a cultura particular de uma família que se revela nas revistas que se compram, nos programas de televisão que se vêm, nos livros que se disponibilizam, directa ou indirectamente, nas comidas preferidas, nas actividades que se promovem, ou seja, todos os materiais que constroem e no fundo definem uma cultura familiar particular.
Investigando intuitivamente e de forma plástica de que modo uma cultura material revela uma cultura imaterial e como ambas influenciam uma pessoa em particular encarada como um filtro, não pretendo tirar conclusões objectivas e demonstrativas mas sim percorrer caminhos, expor descobertas plásticas e deixar a comprovação e universalidade destas relações em aberto, sabendo no entanto que no meu caso isso se confirma.
Fig. 1 Pormenor da casa de banho da minha casa de família, pormenor da cozinha e a reprodução de
um quadro do Miró que estava na sala.
II. Contributo do trabalho de outros
artistas para a confirmação do interesse
extra pessoal e famíliar que este projecto pode ter
Ver e
conhecer o trabalho de outros artistas que têm abordado temáticas que de algum
modo se relacionam com a casa ou a experiência familiar ou cultural de
determinados revestimentos, roupas ou casas de família, e apercebendo-me do eco
e impacto que foram tendo em mim, remetendo-me para a minha própria experiência
quer de uma cultura material familiar quer de uma determinada época na história, assegurou-me de que, mesmo
partindo de um impulso afectivo e do entusiasmo pela riqueza plástica e da
consciência dessa riqueza do que me rodeava na minha casa de família, este
projecto poderia ter interesse para outras pessoas para além das que também
experienciaram esse ambiente, ou seja, a minha família e eu. Não será,
assim, só uma cultura familiar e a minha
visão particular que estará “em jogo”.
De
entre as obras destes artistas com as quais fui sentindo afinidade e que
influenciaram de algum modo a minha forma de encarar este projecto destaco os
projectos Seventies de Hilde René
Opdhal[1], Saudade
e Things de Margarida Correia[2], Caixa de memórias de Carla Cabanas[3], The
House I Once Called Home de Duane Michals[4] e o Project Room-Void de Ana Vidigal[5].
III. Territórios a abordar
Para
desenvolver a área de exploração definida vou pesquisar dois territórios, A Casa antes de eu nascer e A Casa depois de eu nascer, tratando-se
aqui de uma mesma casa mas em momentos diferentes, momentos esses em que não só
a decoração e disposição dos espaços era diferente mas também a própria àrea
habitável não era a mesma. Decidi incluir a casa antes de eu nascer não só
porque sempre fez parte do meu imaginário através de fotografias e dos relatos dos meus pais e
irmão, funcionando como uma espécie de acto fundador, mas também porque quase
todas as peças de mobiliário e objectos aí presentes faziam parte da casa depois de eu nascer
embora colocadas noutros sítios , assim como
alguns revestimentos como a alcatifa laranja e o amarelo das paredes
revestidas a madeira. A estas “duas” casas tive então um acesso muito distinto,
um mediado através de fotografias e o
outro directo, através da minha experiência sensorial, emocional e intelectual
ao longo do meu desenvolvimento pessoal. Estes dois tipos de acesso irão influenciar
directamente a forma como vou abordar os territórios escolhidos assim como o
trabalho que dessas abordagens virá a
resultar.
1. A
Casa antes de eu nascer
De
acordo com o que disse acima, ao pesquisar A
Casa antes de eu nascer vou explorar um espaço e tempo que não vivi usando
como materiais de pesquisa seis fotografias coloridas tiradas pelos meus pais
para mostrar aos meus avós, em Angola, como era a sua casa (fig.1).
Fig. 2 Diferentes
vistas da casa antes de eu nascer. Fotografias tiradas pelos meus pais em 1972.
© Aurora Machado e Fernando do Carmo
Pretendo
explorar estas fotografias partindo de duas perspectivas diferentes:
Uma
mais passiva, contemplativa e reflexiva, olhando para elas como os objetos
bidimensionais que são e que posso apreciar de um ponto de vista exterior,
forma como me tenho relacionado com elas até agora, mantendo sempre uma
distância física ao viajar imaginariamente dentro delas, focando-me na forma
como essas imagens me deixam entrar ao mesmo tempo que me deixam de fora, irei
desenvolver esta perspectiva através do vídeo e da performance utilizando
projecções vídeo em grande escala ou impressões das fotografias com as quais
irei interagir.
Uma outra mais activa, transformadora e construtiva, olhando para
estas fotografias como um espaço a habitar, tentando suprimir essa distância
entre mim e o espaço representado na imagem, quer traduzindo-me para a sua
linguagem bi-dimensional, introduzindo-me no espaço por meio de colagem
fotográfica digital e animação digital,
ou, traduzindo o espaço representado na imagem
para a sua linguagem tridimensional original através da criação de
espaços "reais" replicados nos quais poderei entrar total ou
parcialmente, explorando isto através da criação de fotografias tridimensionais
e/ou da criação de réplicas tridimensionais desses “cenários” onde poderei
“encenar” performances.
2. A
Casa depois de eu nascer
Pesquisando
este território vou estar a explorar um
espaço e um tempo que vivi directamente, usando como ponto de partida a minha
selecção pessoal dos materiais que permaneceram até aos dias de hoje e as
memórias que evocam em mim.
Fig. 3 Fotografia do ecrã do meu portátil
mostrando uma série de sobreposições de imagens de alguns dos materiais
da Casa depois de eu nascer.
© Rita Carmo
Mais especificamente, vou usar como base de investigação os
materiais de revestimento e decoração da casa, como os azulejos das paredes, a
tijoleira e alcatifas do chão, o papel de parede, as cortinas, os móveis, a
estrutura arquitetónica da casa, os objetos decorativos, as roupas de vestir e
da casa, os livros e revistas, as árvores, plantas , e flores do jardim, e,
também, as memórias odoríferas, tácteis e visuais evocadas por objetos,
padrões, divisões da casa e actividades familiares como a bricolage, o campismo, a
reorganização dos móveis e o planeamento de novas soluções decorativas para os
mesmos espaços.
Para
recriar esse ambiente e filtrá-lo através da minha visão de hoje pretendo
experimentar como possíveis estratégias a criação de assemblages fotográficas dos materiais referidos acima, a criação
de um catálogo de pesquisa de "Padrões Familiares" recorrendo ao
desenho, pintura, fotografia e amostras de tecido e outros materiais
relacionando-os com o meu próprio crescimento, a criação de peças em que
utilizarei mobiliário e objectos da casa para criar cenários onde se
desenrolarão acções específicas, a criação de instalações com diferentes graus
de acesso pelo espectador, e ainda descrições sonoras de lugares, objectos,
situações vividas, sons ouvidos, cheiros
cheirados, texturas tocadas.
Com as
peças finalizadas pretendo criar uma atmosfera imersiva em que interagirão umas
com as outras apesar de funcionarem também como peças únicas. Com as
peças finalizadas pretendo criar uma atmosfera imersiva em que interagirão umas
com as outras apesar de funcionarem também como peças únicas.
3. Estratégias de trabalho a
utilizar para a investigação e
desenvolvimento do projecto
a) Usar a Cronologia
como instrumento de orientação para iniciar o projecto
Este
projecto tem vindo a crescer lenta mas persistentemente de 2004 até agora. Com
vários períodos de focagem ao longo deste tempo nos quais tenho produzido não
só objectos - desenhos, fotografias, esboços de performances, colagens
digitais, esculturas de papel, pequenos grupos de objectos - mas também
tentativas escritas de definir exactamente a extensão de território que eu
gostaria de abranger e como iria abordá-la.
Ao
reflectir sobre este percurso concluí que o que me levou a iniciar e persistir
neste projecto foi um conjunto de sensações muito impressivas que experienciei,
e experiencio ainda, relacionadas com peças de decoração, cheiros e sabores da
minha infância sobretudo ligadas à minha casa de família, e também a tomada de
consciência da riqueza plástica do ambiente que me rodeava e de actividades aí
promovidas que influenciaram fortemente quem sou hoje e o meu trabalho como artista plástica.
De
forma a ter uma visão mais clara do que tenho vindo a desenvolver, o que se
tornava difícil dada a extensão no tempo e a dispersão de periodos de trabalho,
decidi compilar as direcções já exploradas e, assim, tentar tornar mais claro o
que me tinha guiado, quais os caminhos que tinha seguido, quais os materiais
que tinha utilizado e que tipo de produtos resultara. Com este propósito, criei
uma cronologia do desenvolvimento do projecto desde os seus primeiros passos
até agora, justapondo fotografias, desenhos, obras digitais, textos escritos,
exposições importantes que vi, entre outras coisas que foram sendo influentes
neste percurso, relacionando-as entre si ao longo de uma linha de tempo
horizontal.
Fig. 4
Cronologia do projecto, de 2004 a 2012 (pg.1 de 8). © Rita Carmo
Esta
estratégia provou ser muito útil pois tornou visível que eu estava a usar
abordagens muito diferentes de cada vez que trabalhava no projecto utilizando
diferentes materiais e obtendo resultados
muito variados.
Assim, o primeiro objectivo principal para o início
do projecto é mapear as abordagens e estratégias já
exploradas e os “produtos” já concretizados definindo,
por escrito e visualmente, os caminhos possíveis a seguir, utilizando esta
Cronologia (fig. 3) como uma
ferramenta de orientação.
b) Residências artísticas auto propostas e auto geridas Se perguntarem por mim diz que estou no Tahiti!
Para conseguir mergulhar totalmente nos projectos que tenho em mãos criei esta série de residências na minha própria casa/atelier a realizar entre 2020 e 2021 por períodos de uma semana a um mês nas férias que tenho da formação artística. O nome reflecte o paradisíaco que me parece ser poder apenas dedicar-me o meu trabalho artístico durante dias seguidos sem interrupções.
b) Residências artísticas auto propostas e auto geridas Se perguntarem por mim diz que estou no Tahiti!
Para conseguir mergulhar totalmente nos projectos que tenho em mãos criei esta série de residências na minha própria casa/atelier a realizar entre 2020 e 2021 por períodos de uma semana a um mês nas férias que tenho da formação artística. O nome reflecte o paradisíaco que me parece ser poder apenas dedicar-me o meu trabalho artístico durante dias seguidos sem interrupções.
Fig. 5 A Room Of Her Own, instalação,
2000/2005
IV. Contextualização deste projecto na
minha produção artística
Este
projecto tal como se encontra delineado neste momento surge na sequência do
trabalho realizado na Noruega entre 2001 e 2005 e que foi retomado em 2011 para
a exposição Um Quarto Só Dela[1]
realizada na Paços-Galeria Municipal de Torres Vedras no fim do ano passado. O
ponto de partida para o núcleo de obras aí apresentado consistiu no trabalho
previamente realizado durante a minha estadia na Kunsthøgskolen I Bergen, ou
seja, era um território previamente construído que, como referi no texto de
apresentação da exposição[2], foi deixando progressivamente de ser o meu para ser o dela, essa outra com a qual já não me
identificava totalmente à medida que
fui olhando, pensando e trabalhando sobre ele. Penso que foi
também baseada nesta experiência de olhar desta forma distanciada para algo que
apesar de ser meu já existia, que se abriu a oportunidade de explorar este
outro território pré-existente da minha casa de família, sendo que desta vez
não fui eu que o construí embora tenha participado nessa construção. Neste
últimos trabalhos utilizei recriações tridimensionais de espaços domésticos
como dispositivos para a exibição de objectos já existentes evocando
experiências, emoções e significados especialmente nas instalações A Room Of Her Own (fig.5) e Facing You (fig.7). Neste projecto pretendo continuar a explorar a capacidade que os
objectos, espaços domésticos e dispositivos de exposição utilizados nas nossas
casas (armários, prateleiras, paredes e vitrines) têm de evocar essas emoções,
atmosferas e significados, interessando-me também o apelo que podem ter para um
número muito alargado de pessoas por fazerem parte de uma experiência comum da
casa. Ao trabalhar o espaço doméstico tenho também como objectivo continuar a
expor e explorar o contraste inevitável que surge quando este entra no espaço
neutro da galeria transformando-a em algo mais acolhedor e amigável ao mesmo
tempo que transforma o espaço doméstico em algo um pouco mais desconhecido e
estranho, conferindo-lhe níveis de interpretação diferentes dos habituais.
Há
também um outro aspecto que realmente me tem vindo a interessar e que neste
projecto vou continuar a explorar: o facto de uma imagem nos apresentar sempre
um mundo diferente do real e de ter tido muitas vezes o desejo de cruzar a
fronteira que separa o "nosso" mundo do mundo proposto pela imagem,
enfatizando assim essa fina barreira que existe entre eles.
Fig. 6. Sobreexposição, Happening, 1999. © Rita
Carmo
Tenho vindo a explorar esta
ideia de formas diferentes, criando barreiras físicas mas transparentes
que mimetizam essa superfície bidimensional da imagem e que barram o acesso
físico a um espaço tridimensional que fica interdito como acontecia no
happening Sobreexposição (fig.6) ou
transformando uma imagem minha interna num espaço tridimensional que nos
apresenta vários níveis de acesso físico como fiz nas peças A RroomOf Her Own (fig.5) e Facing You (fig.7).
Fig. 7 Facing You, installation, 2000/2005. © Rita Carmo
Nesta fotografia da minha instalação Facing You entro parcialmente neste
mundo diferente que, embora pareça estar no mesmo nível de realidade que o
resto do espaço, é na verdade mais semelhante à imagem reflectida que podemos
encontrar num espelho se lhe pudéssemos tocar ou entrar nela. No projecto Materiais de Construção atravessar a
barreira entre mim e a imagem significa também passar para um outro tempo que
já existiu.
Neste projecto pretendo assim explorar as ideias acima referidas de uma maneira óbvia
ao trabalhar com as fotografias d’ A Casa
antes de eu nascer e penso que acabará por surgir também indirectamente ao
explorar os materiais d’ A Casa depois de
eu nascer.
Por
último, este projecto enquadra-se também no rumo multidisciplinar que o meu
trabalho foi adquirindo derivado de uma progressiva consciência dos limites e possibilidades que fui encontrando
ao explorar as áreas a que me fui propondo.
[1] Podem ver-se imagens das obras expostas
nesta desta exposição em
ritacarmoartistaplastica.blogspot.com
[1] Imagens disponíveis em http://www.triennale.no/2006/kunstner33.html
[2] Imagens disponíveis em http://margaridacorreia.com/saudade/ e http://margaridacorreia.com/things-de-jong/
[3] Imagens disponíveis em https://carlacabanas.com/memory-box/
[4] Imagens disponíveis em
http://www.photoeye.com/bookstore/citation.cfm?catalog=fl044&i=&i2=
[5] Imagens disponíveis em https://www.artecapital.net/exposicao-288-ana-vidigal-menina-limpa-menina-suja
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