iMateriais de Construção
Ensaio Aberto # 3
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Instalação, Performance fotográfica, Animação stopmotion e Maquetes
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Nos últimos quatro anos Rita Carmo tem desenvolvido uma Arqueologia e uma
Etnografia doméstica emocional baseada no que ficou dos materiais de construção
da sua casa de infância.
Manipulando estas peças essenciais da construção da sua
própria identidade, investigou intuitivamente o impacto que tiveram, têm e
terão no seu passado, presente e futuro.
O seu corpo-figura esteve sempre implicado em todas as obras
criadas até agora.
Por vezes, fixa o momento performativo, ao chegar à frente
da câmara após marcados os 10 segundos
de atraso no obturador; outras, manifesta-se através de roupas e
objectos rituais que dão vida a criaturas imaginárias. Repetidamente, ela é
protagonista de acções que nascem de uma oscilação entre consciente e
inconsciente, estimuladas pelo seu processo de improvisação particular.
Simultaneamente directora artística, performer e fotógrafa
do seu trabalho, tem procurado o momento da curadoria como forma de
distanciamento e reflexão sobre o percurso realizado.
Nesta exposição testa a ideia da Casa de Família como um
centro de experiências e uma máquina de construção de identidade: a
configuração dos espaços, as características dos revestimentos, os padrões dos
tecidos e as proveniências dos objectos, revelam-se como material genético
orientador de sensações, emoções, pensamentos, possibilidades de vida e
comportamentos.
E se fosse possível criar uma casa (da memória) com apenas
um móvel? Que condensasse as mais importantes experiências do passado embora já
parcialmente fundidas com o presente, revelando pequenos ou grandes
deslocamentos do ponto de partida original.
E não seria ela uma grande casa animada, onde já se torna
difícil distinguir o real do imaginado?
Um “Móvel-Mapa da memória” que se desdobra sempre mesmo a
tempo e onde pequenas unidades móveis de grande importância se movimentam de
forma imprevisível, provocando encontros improváveis e bailes de memórias
ecléticas. Um lugar onde os interruptores podem servir para acender e apagar
tanto as memórias boas como as traumáticas.
Nesse espaço, real-imaginário, onde é possível uma estrutura
híbrida de memória oferecer-se um momento de reflexão e mergulhar os pés nas
linhas da sua própria confecção ou brincar acrobaticamente entre memórias
adjacentes, as memórias materializadas
em objectos podem ser palco de reuniões terapêuticas para clarificação e
apaziguamento de outras memórias e emoções.
Um verdadeiro comboio-fantasma que desliza entre a tristeza,
a alegria, o medo e a felicidade. Mas há sempre uma certeza: numa estrutura
doméstica emocional como esta, há sempre razões para dançar!
Nestas últimas explorações arqueológicas, Rita Carmo,
retira-se, assim, pela primeira vez, do centro da obra, oferecendo o espaço da
sua memória a quem quiser percorrê-lo e senti-lo.
Em outras peças que aqui se expõem pela primeira vez, a sua
característica autorrepresentação mantém-se viva em desdobramentos da
criança-adulta que experimenta incessantemente estratégias de pertença,
protecção e superação, manipulando e integrando os objectos icónicos da sua
infância, e mantendo-os, e a si própria, sempre a 10 segundos da
desmaterialização.
No seu conjunto, as obras e a artista, recebem-nos num envolvente
espaço sonoro e odorífero que nos conforta, sobressalta e diverte,
surpreendentemente povoado por visitantes inesperadas.
Mas, atenção, olhem sempre para ambos os lados ao atravessar
este caminho! Uma memória pode sempre esconder outra, e uma delas pode ser a
vossa.